Todos os anos, em épocas de chuva, o Brasil assiste o acontecimento de verdadeiras tragédias ambientais. Todos lembram de Angra, Petrópolis, Nova Friburgo, Teresópolis, São Paulo, Rio de Janeiro, etc. Milhares de outros deslizamentos de dimensões menores, que não são objeto de notícias, estão acontecendo todos os anos em nossas cidades. Conforme o Atlas Digital de Desastres no Brasil, houve 18.551 ocorrências de inundações, enchentes, alagamentos, enxurradas e deslizamentos entre 1995 a 2020. Resultando em 6.629 milhões de pessoas desabrigadas e desalojadas, mais de 5 mil mortos e 67,516 milhões de pessoas afetadas. Já os danos materiais são calculados em 60 bilhões de reais.
As cidades brasileiras vivem anualmente uma tragédia anunciada. Isso diz respeito também as médias cidades, como Caxias do Sul, cujo crescimento informal vai ocupando os morros, a beira dos rios e os locais ambientalmente inadequados.
O mapeamento dos municípios e seus locais de riscos, tem sido a única providência tomada, que não funciona, pois nenhum governo quer ter o desgaste político de anunciar e remover pessoas das áreas de risco, pois o custo é incalculável. Todos os governantes apostam na chance de que os desastres só aconteçam mais adiante, nos próximos governos. Mas é certo que mais dia ou menos dia vai acontecer. São desastres anunciados. Esses dados, essas informações estão disponíveis para todos os municípios, mas ninguém usa. Petrópolis, o maior desastre ambiental urbano, perdeu milhares de vidas, mas tudo está sendo reconstruído no mesmo lugar.
Discute-se as causas, isto é a ocupação em locais inadequados, com densidade demográfica e taxa de ocupação elevadas, sem taxas de impermeabilização, que gera o acúmulo das águas que rapidamente acaba correndo e levando tudo com ela.
Muito se fala da falta de fiscalização. Mas nada se diz sobre a forma cientificamente correta de ordenar e evitar o crescimento informal das cidades. A realidade é que cerca de 40% da população das cidades brasileiras moram na informalidade e uma grande parte em áreas de risco.
Ocorre que as nossas cidades são projetos excludentes, em que não há lugares planejados para as pessoas que não tem recursos comprarem um lote urbanizado e legal. Por isso vão para a informalidade ou para as encostas e periferias. A final de contas morar é uma necessidade natural. De uma forma ou de outra o homem cria seus espaços de moradia, mesmo quando o Estado cria leis proibitivas.
A função social da terra urbana está prevista no Plano Diretor, através de zoneamentos urbanísticos que devem buscar atender todas as atividades econômicas, sociais e de moradia para as diferentes classes sociais. Mas para isso é necessário definir no Plano Diretor zoneamentos habitacionais para todas as classes sociais. A forma de zoneamentos de nossas cidades, o parcelamento do solo, a estrutura urbanística precisam assegurar formas legais de baratear o custo dos lotes, de modo efetivo, para possibilitar o acesso à moradia da classe pobre, cumprindo assim, o que dispõe a CF/88, quando determina que a moradia é um direito fundamental e social do homem.
Condenamos milhares de pessoas a morarem em locais de risco, porque não destinamos, no zoneamento das cidades, outro local mais seguro para elas. Essas pessoas não vão morar na informalidade ou estão ocupando as encostas porque assim escolheram, mas porque não há espaços planejados e acessíveis para elas na cidade legal. Não há cidade planejada para todos.
Adir Ubaldo Rech -Advogado, professor da UCS , doutor em direito ambiental e urbanista
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